Um ano após ter sido lançado ao espaço, o primeiro satélite integralmente controlado pelo Brasil foi usado para levar banda larga a menos de 0,1% dos locais planejados inicialmente, devido a uma briga judicial que envolve a Telebras e empresas de telecomunicações e já foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) completou aniversário de um ano da decolagem nesta sexta-feira (4), após consumir R$ 2,78 bilhões em investimentos.
Parceria entre o Ministério da Defesa e a Telebras, o SGDC tem seu uso compartilhado entre militares e civis. O Exército usa 30% da capacidade do equipamento para conectar suas instalações, como postos da fronteira. Já empresa de capital misto usa o restante para fornecer conexão contratada por diversos órgãos do governo federal.
O negócio foi modelado para que a Telebras contratasse uma empresa para instalar a infraestrutura de rede em todo o Brasil. Em contrapartida, ela poderia explorar a capacidade não utilizada para ofertar seus próprios serviços de banda larga.
Prejuízo de R$ 100 milhões
Após manter um processo de chamamento público aberto por oito meses e não encontrar interessados, a Telebras passou a receber propostas privadas. No começo do ano, escolheu a norte-americana Viasat, que até então não atuava no país.
“Com o contrato assinado, a gente começou a ativar os primeiros pontos. Tínhamos 500 pontos para ativar em abril. Conseguimos fazer 4”, afirma ao G1 o presidente da Telebras, Jarbas Valente.
São um ponto de fronteira e três escolas, uma delas localizada na cidade de Paracaima, em Roraima, a porta de entrada dos imigrantes venezuelanos. Ele afirma que, desde então, o prejuízo já chegou a R$ 100 milhões. Como em maio, a previsão era levar conexão a outros 1 mil pontos, as perdas passam a ser de R$ 800 mil por dia.
Esses são pontos de acesso previstos pelo Programa Nacional de Banda Larga, carro-chefe do governo federal para levar conexão de internet a regiões isoladas. A Telebras deveria instalar 8 mil postos até o fim do ano e 15 mil até março de 2019.
A Viasat, no entanto, foi impedida de fechar novos contratos por uma decisão judicial. No fim de março, a empresa Via Direta Telecomunicações conseguiu na Justiça do Amazonas uma liminar para suspender o acordo entre Telebras e Viasat.
A companhia amazonense disse que foi preterida do processo depois de iniciar as negociações para operar parte da capacidade do satélite. Também lançou dúvidas sobre a soberania do Brasil, já que uma empresa estrangeira operaria um satélite que também atendia o Exército brasileiro.
Soberania nacional
A Telebras perdeu na segunda instância e o processo foi parar no Superior Tribunal de Justiça. Por envolver uma questão constitucional, o da soberania nacional, a presidente Laurita Vaz o encaminhou ao STF. Nesta semana, a relatora do caso na Suprema Corte, a presidente Carmen Lúcia pediu que a Procuradoria Geral da República se manifestasse, o que deve ocorrer na próxima semana.
Em paralelo a isso, a Justiça do Amazonas decidiu nesta quinta-feira (3) que a Telebras deve cessar o fornecimento de internet nos pontos em funcionamento caso não comprove ter sido ela e não a Viasat a responsável pela instalação dos equipamentos nesses locais. A Telebras afirma ainda não ter sido notificada.
Sem licitação
Enquanto essa briga ocorria, a Telebras enfrentou outros dois reveses. O sindicato das teles (Sinditelebrasil) e o que representa as empresas de telecomunicações por satélite (Sindisat) acionaram o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade) sobre as condições em que a Telebras contratou a Viasat.
Valente afirma que, após não encontrar interessados em participar do chamamento, a Telebras passou a receber propostas privadas. A prerrogativa é permitida pela Lei das Estatais, caso o processo “não possa ser repetido sem prejuízo a empresa pública” e “desde que mantidas as condições preestabelecidas”.
As associações questionam se as mesmas condições submetidas às empresas representadas por elas foram mantidas para a Viasat. Valente diz que a condição era a de implantar em todo o Brasil equipamentos de rede, como antenas de recepção de satélite, além de instalar cinco centros de controle (Brasília, Rio, Campo Grande e Florianópolis e um backup em Salvador).
“Muitas delas acharam que isso era (do setor) público, não era política delas e não tinham interesse”, diz o presidente da Telebras. “Quem atendeu 100% e também viabilizou do ponto de vista econômico foi a Viasat”.
O plano é que a norte-americana invista R$ 500 milhões em infraestrutura e a Telebras entre com R$ 50 milhões.
Contrato com o Ministério da Ciência
Além disso, o Sinditelebrasil questiona na Justiça como a Telebras ganhou, sem passar por licitação, um contrato de R$ 663 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para conduzir o programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac).
“Eles acham que eles deveriam ser contratados, não que o governo investisse num artefato próprio”, diz Valente.
Atualmente, esse serviço é prestado por um consórcio formado por Embratel (Claro), Oi e Telefônica, mas o contrato vence em junho.
‘Escrito nas estrelas’
Antes de ser envolvido na contenda judicial, o SGDC enfrentou uma série de contratempos até decolar. Anunciado em 2012, o satélite só fechou contrato com a fabricante um ano depois.
Na época, o lançamento estava marcado para 2016, depois postergado para abril de 2017. Mais um atraso: trabalhadores em greve na Guiana Francesa, local da partida, impediram a chegada do satélite até o ponto de envio. Após o SGDC já estar em órbita, a Telebras não encontrou interessados.
“Fica claro com essas ações [judiciais] que estava escrito nas estrelas porque nós prorrogamos tantas vezes”, finaliza Valente.